A derrota do Planalto no Congresso na votação de duas medidas provisórias prioritárias para o governo nesta semana coroou o desgaste de uma relação que já dava sinais de fragilidade.
As reclamações de aliados da ampla base que apoia a presidente Dilma Rousseff não são novas, mas a não aprovação das Medidas Provisórias 605, que permitia o uso de recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para garantir a redução da conta de luz, e a 601, que ampliava a desoneração da folha de pagamento de vários setores da economia, ratificaram a falta de articulação.
As dificuldades de relacionamento do Planalto com a base aliada pareciam ter chegado ao ápice durante a conturbada votação da MP dos Portos, no dia 16, quando o texto foi aprovado a horas de caducar, apesar dos reiterados apelos públicos da presidente em defesa da medida, apontada por ela como essencial para a competitividade do país.
Uma fonte do governo ouvida pela Reuters, avaliou que os problemas não são de agora e recorreu a analogia de uma tempestade para exemplificar a situação.
"Uma tempestade não começa com a chuva e os raios. Primeiro há a formação de muitas nuvens, depois uma composição climática, até chegar a hora da tempestade", disse.
A irritação dos parlamentares vem desde 2011, quando um corte de 50 bilhões de reais no Orçamento lhes tirou quase todos os recursos previstos nas emendas, fundamentais para que eles façam política em suas bases eleitorais. O corte se repetiu em 2012.
Nesta semana, além de não aprovarem as duas MPs, os aliados tentaram passar uma mudança que tornaria o pagamento de emendas no Orçamento deste ano incontingenciáveis. Além disso, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), trabalha para tornar o desembolso desses recursos obrigatório a partir de 2014.
A articulação política do governo já não tem mais forças sequer para prever e impedir esse tipo de manobra.
E há uma lista grande de pequenos golpes que ainda podem ser deferidos contra o Executivo, desde o pagamento impositivo de emendas, passando por mais derrotas em votações e até a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a Petrobras.
Chegou ao limite
Segundo disse à Reuters um líder governista, sob condição de anonimato, a relação do governo com o Congresso chegou a um limite e é preciso urgentemente que a presidente "amplie o diálogo".
Na terça, antes de sofrer a derrota nas medidas provisórias, os senadores do PT reuniram-se com o presidente do partido, Rui Falcão, e fizeram um diagnóstico duro sobre a articulação política do governo. Disseram que a situação é delicada e pode começar a prejudicar a formação de palanques para a eleição de 2014.
No entanto, não há, pelo menos por enquanto, quem defenda a troca das ministras da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, principais responsáveis pela articulação com o Congresso e que devem seguir em seus postos.
Na realidade, alguns aliados defendem maior liberdade de atuação para as auxiliares da presidente que lidam diretamente com o Legislativo.
"A posição unânime dos parlamentares e do presidente do partido é de que é preciso que a Ideli tenha poder de solução sobre os temas que são próprios do seu ministério", disse à Reuters o líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI).
"Ninguém vai para uma audiência para tomar cafezinho", acrescentou.
A falta de poder dos ministros está sempre na mira dos que cobram maior diálogo. Outra fonte do governo vê o modelo de articulação política adotado pela presidente como o principal problema.
Nesse modelo, Dilma designa ministros para dialogar com o Congresso, mas não lhes dá autonomia para decidir. Por vezes, como na discussão do marco regulatório dos portos, os desautoriza no meio das negociações.
"Isso mostra que o governo não respeita sua palavra e isso inviabiliza acordos com o Congresso", disse essa fonte.
Há, no entanto, os que avaliam que os problemas com a base aliada não são uma novidade desta gestão, pois também ocorreram com todos os antecessores da presidente.
Dilma teria colhido, na avaliação de uma terceira fonte do governo, mais vitórias do que derrotas no Congresso até aqui. Essa fonte alertou, no entanto, que neste ano as coisas estão mais difíceis e colocou no PMDB, maior partido da base aliada e o que tem mais votos no Congresso, a maior responsabilidade pelo problema.
"Agora o PMDB comanda as duas Casas e o líder do partido na Câmara (deputado Eduardo Cunha) se tornou o líder dos aliados insatisfeitos", disse.
Por seu lado, lideranças peemedebistas, como o vice-presidente Michel Temer e os presidentes da Câmara e do Senado, Henrique Eduardo Alves (RN) e Renan Calheiros (AL), avaliaram em reunião nesta quarta que o Planalto não reconhece a gravidade da situação, que eles acreditam ter chegado ao limite e exigir uma solução urgente.
No início do mês, segundo interlocutores do Planalto, Dilma teria decidido atender a uma reivindicação antiga dos parlamentares de incluí-los na sua comitiva ao visitar suas bases eleitorais, prática adotada pelo seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O aceno de mudança na relação com aliados, além de buscar apoio da base no Congresso, visaria o projeto de reeleição em 2014. A estratégia, no entanto, ainda não surtiu efeito.
Do Expressão Notícia